Desiderata assina nota pública sobre risco à Alimentação Saudável na Reforma Tributária

Nota é assinada em conjunto com associações da sociedade civil e critica propostas da indústria para desonerar ultraprocessados e bebidas alcoólicas

O Instituto Desiderata se uniu a outras três organizações da sociedade civil para divulgar uma nota pública sobre os riscos à alimentação adequada e saudável na discussão das leis complementares da Reforma Tributária.

A divulgação da nota se deu a partir das ações de interferência da indústria de produtos alimentícios ultraprocessados, que buscam incluir ultraprocessados e bebidas alcóolicas na cesta básica, buscando isenção ou tributação reduzida nesses produtos nocivos à saúde de crianças e adolescentes. Confira a nota completa abaixo:

Alimentação Saudável em Risco na Reforma Tributária

Nós, organizações da sociedade civil que defendemos o direito humano à alimentação adequada e saudável, vimos a público repudiar as ações de interferência da indústria de produtos alimentícios ultraprocessados no contexto de discussão das leis complementares da Reforma Tributária. Diversas organizações representando o setor produtivo vêm se articulando e atuando para expandir a composição da cesta básica e da lista de produtos a serem desonerados”, com a inclusão de ultraprocessados e bebidas alcóolicas, e para se eximir da nova tributação sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente via Imposto Seletivo. O objetivo é claro: atender a interesses comerciais e privados em detrimento da saúde coletiva, da segurança alimentar e nutricional e da proteção ao meio ambiente.

De acordo com a Emenda Constitucional nº 132/2023, que aprovou a Reforma Tributária no Brasil, a elaboração dos projetos de lei complementares para regulamentar o texto é atribuição do Poder Executivo. Desse modo, foram estabelecidos 19 grupos de trabalho no âmbito do Ministério da Fazenda, com o intuito de discutir as melhores propostas do ponto de vista técnico e científico para beneficiar a população. Entretanto, diversos setores empresariais do Brasil, preocupados com a regulamentação dos impostos, organizaram-se em torno de Frentes Parlamentares na Câmara dos Deputados, replicando os grupos de trabalho em espaços paralelos no Legislativo, para desafiar o fluxo de tramitação liderado pelo Executivo e enfraquecer as propostas legislativas de antemão. Além disso, têm utilizado estes espaços para proferir diversas críticas à internacionalmente consolidada e reconhecida classificação Nova, que categoriza os alimentos conforme o grau e o propósito de processamento, e ao Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da saúde, que recomenda evitar ultraprocessados. Desta forma, a indústria de ultraprocessados e seus parceiros disseminam informações incorretas sobre o conceito de ultraprocessados, menosprezam a importância da regulamentação do consumo de tais produtos para a segurança alimentar e nutricional, e deturpam dados sobre a eficácia das políticas tributárias em outros países.

Como exemplo, foi apresentado o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 39/2024, de autoria da Deputada Bia Kicis (PL/DF), que pretende revogar o Decreto nº 11.936/2024, que apresenta critérios para a composição da Cesta Básica Nacional de Alimentos. Tais critérios foram elaborados de acordo com a Emenda Constitucional nº 132/2023, que estabeleceu a diversidade regional e cultural da alimentação do país e a alimentação saudável e nutricionalmente adequada como diretrizes para a nova cesta básica.

Antecipando-se à proposta do Executivo, que será enviada nos próximos dias, deputados do PP, PL, UNIÃO, MDB, SOLIDARIEDADE e PSD, integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), apresentaram o Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 35/2024, que viola o artigo 8º da Emenda Constitucional nº 132/2023. Tal artigo define que os itens incluídos na Cesta Básica Nacional de Alimentos devem atender aos critérios de uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada. Entretanto, o referido PLP sugere a inclusão de produtos ultraprocessados na cesta, como margarina, biscoitos, bebidas adoçadas, salsicha e hambúrguer, comprovadamente nocivos à saúde humana, negando o robusto corpo de evidências que já associaram seu consumo ao risco aumentado para mais de 32 doenças.

Antes, outro PLP foi apresentado (PLP nº 29/2024), dessa vez sobre o Imposto Seletivo, de autoria dos deputados Luiz Philippe De Orleans e Bragança (PL – SP), General Girão (PL/RN), Evair Vieira de Melo (PP/ES) e Rosângela Moro (União/SP). Esse projeto esvazia completamente os objetivos de proteção à saúde e ao meio ambiente que estão no cerne da concepção do Imposto Seletivo. Dentre as descabidas previsões da normativa, destacam-se a criação da figura da Lei Complementar Específica, que define que se proponha um projeto de lei para cada item que se quer tributar; a instituição de mecanismos de incentivo, incluindo redução de tributos, para quem promover ações de mitigação ou prevenção relativas ao consumo mais saudável e sustentável; o estabelecimento de metas anuais que, caso não alcançadas, suspenderiam a incidência do imposto; e a avaliação dos resultados a ser realizada não por autoridades sanitárias, mas por comissão especial do Senado Federal.

Este projeto (PLP nº 29/2024) visa dificultar a implementação da tributação seletiva, cujo objetivo é justamente desestimular o consumo de produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, tais como ultraprocessados e agrotóxicos. Em sua justificativa, há críticas sistemáticas à proposta de avaliação e definição dos produtos a serem tributados pelo Imposto Seletivo com base na classificação Nova, que analisa os alimentos de acordo com o grau e o propósito de processamento, e caracteriza os ultraprocessados a partir da presença de aditivos adicionados aos alimentos e seu potencial deletério à saúde. Essa forma de classificar os alimentos é mundialmente estabelecida por diversos autores e foi escolhida pelo Ministério da Saúde para embasar as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira.

Em outra frente, fora do Legislativo, a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) divulgou uma sugestão de Lei Complementar, que inclui vários ultraprocessados na Cesta Básica Nacional de Alimentos e na lista de produtos que receberiam alíquota reduzida, além da absurda inclusão de bebidas alcoólicas e produtos não essenciais e com os mesmos princípios ativos dos agrotóxicos, como herbicidas, fungicidas e inseticidas. A proposta apresenta códigos tributários de ultraprocessados em categorias com terminologias mais amplas, que remetem a categorias mais saudáveis e disfarçam a presença dos itens nocivos. Por exemplo, uma das codificações de sopas e caldos industrializados aparece incluída na categoria “frutas e verduras”, e os cereais matinais e salgadinhos ficariam na categoria “cereais, raízes, tubérculos e leguminosas”.

Observa-se, assim, que os ataques à classificação Nova e as propostas defendidas por representantes do setor produtivo visam contemplar unicamente os seus interesses, ignorando completamente os riscos à saúde que a concessão de benefícios fiscais e isenção tributária aos ultraprocessados pode trazer para a população brasileira. Basta lembrar que estes produtos são responsáveis por 57 mil mortes prematuras todos os anos no país. Além disso, a concessão de benefícios de forma indiscriminada, sem levar em conta o critério de saudabilidade, representa um fardo para outros setores da economia e para os consumidores de maneira geral, uma vez que cada categoria extra incluída na desoneração precisará ser compensada por aumento da alíquota de referência da economia como um todo.

A reforma tributária é uma oportunidade histórica para o país, que pode não apenas tornar seu sistema de impostos mais simples e eficiente do ponto de vista econômico, mas também promover justiça social, saúde e alimentação adequada e saudável para sua população. Para que o país possa garantir a segurança alimentar e nutricional de sua população, enfrentando a fome, por um lado, e a crescente epidemia de obesidade, por outro, é fundamental que apenas alimentos saudáveis sejam contemplados com alíquota zero ou reduzida, enquanto produtos nocivos à saúde, como os ultraprocessados, tenham a incidência do Imposto Seletivo. Com vistas a alcançar esse objetivo, é importante que a sociedade civil, a imprensa, bem como representantes do Executivo e do legislativo estejam atentos e não permitam que o lobby da indústria de ultraprocessados se sobreponha aos direitos à saúde e à alimentação adequada e saudável, resguardados pelo ordenamento jurídico nacional.

Assinam esta nota:

ACT Promoção da Saúde
Instituto de Defesa de Consumidores (Idec)
Instituto Desiderata
FIAN Brasil- Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas