A importância dos dados para o controle de doenças e promoção da saúde

Leia o artigo de Roberta Marques, diretora executiva do Desiderata

Desde o início da pandemia de coronavírus, ficou cada vez mais claro para um público mais amplo que dados confiáveis têm sido o norteador mais importante no combate à propagação do vírus no mundo inteiro. No Brasil, no entanto, a falta de uma diretriz nacional de enfrentamento da doença é agravada pela ausência de registros suficientes que impossibilita desde a distribuição justa de recursos à retomada gradual das atividades econômicas em segurança.

A epidemiologia, ramo da ciência que estuda como as doenças se propagam, é uma das rotas de saída da crise de que poderíamos nos servir agora. É através desses estudos que governos realizam ações de vigilância para controlar doenças e prevenir futuras ocorrências. Para que a vigilância epidemiológica aconteça, no entanto, são necessárias informações de qualidade e atualizadas que, na prática, se materializam nas notificações dos casos e nos registros de diversas doenças. Sem testes para detecção do novo coronavírus, como vemos agora, não é possível saber com segurança quantas pessoas morreram, quantas estão infectadas, em que direção e com que velocidade a doença se propaga – todas informações imprescindíveis para tomar medidas responsáveis e eficazes.

A dificuldade que temos para obter e organizar dados atualizados para lidar com a pandemia, infelizmente, não é uma realidade muito diferente da enfrentada em outras frentes de ação da saúde pública, em maiores ou menores proporções. Diversas outras doenças acometem a população ao logo de suas vidas se beneficiariam da vigilância epidemiológica rigorosa e permanente. Também nesses casos, no entanto, é um grande desafio organizar e manter bases ideais. Esse é o caso do câncer, com os Registros Hospitalares de Câncer que subsidiam os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP), e também o controle de peso, altura e consumo alimentar do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), fundamental para o controle da obesidade infantil, uma epidemia silenciosa mundial que é fator de risco para diversas doenças crônicas. Para ficar apenas com esses dois exemplos, ainda há muito a ser feito.

Desde 2014, o Instituto Desiderata publica panoramas e monitora as informações de câncer e obesidade em crianças e adolescentes no Rio de Janeiro. O que podemos dizer dessa experiência é que os sistemas de registro avançaram, mas são ainda muito aquém do esperado para o controle dessas doenças. Os últimos Registros Hospitalares de Câncer completos são do ano de 2013, quando o recomendado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) é de até dois anos de atraso. Algumas variáveis são preenchidas inadequadamente, como é o caso da informação sobre o estadiamento dos tumores, ausente em 40% dos casos registrados. Sem essas informações, não é possível saber a extensão da doença, seu nível de gravidade e quais as chances de cura, e, portanto, fazer seu controle. Em relação ao SISVAN, a cobertura de aferição do estado nutricional ainda é baixa, cerca de 15,7%, e o monitoramento de peso, altura e consumo alimentar de crianças e adolescentes não é uma rotina na atenção básica, diante da invisibilidade do problema e o foco no tratamento de doenças, em detrimento da prevenção.

A implementação qualificada e regular dos sistemas de informação em saúde demanda ações integradas, tais como capacitação de profissionais dedicados ao registro, infraestrutura adequada, mas, sobretudo, a promoção do uso das informações para a tomada de decisões, de forma a sensibilizar os diversos níveis de gestão para a importância do registro como ferramenta de planejamento, prevenção e controle de doenças.